quinta-feira, 20 de novembro de 2008

"Bebé P"

Parecem vulgares fotografias de infância, daquelas que os pais colam em álbuns com bonecos: numa primeira imagem a criança loura aparece de pé, com ar bem disposto e limpo, como se acabasse de ter sido vestida com roupa lavada; num retrato tirado mais tarde o menino tem o cabelo rapado, está sentado e tem parte do rosto coberto de chocolate, vestígios da guloseima que teria acabado de comer.

O bebé P, como ficou conhecido em Inglaterra porque o tribunal proibiu a divulgação do seu nome, morreu com 17 meses a 3 Agosto deste ano e as duas fotos que a imprensa britânica divulgou marcam um antes e um depois na sua vida. Até aos nove meses terá sido uma criança com uma existência relativamente normal, nos últimos oito meses da sua vida foi vítima de abusos físicos tão brutais que levaram à morte. O chocolate na cara foi a forma encontrada pela mãe para ocultar as feridas à assistente social que visitava a casa com regularidade, em Londres.
O ficheiro clínico conta-nos o percurso da criança. Como qualquer bebé saudável, P foi levado ao médico para ser vacinado, voltou porque estava com diarreia, mais tarde por assaduras da fralda. Em Outubro de 2006 - altura em que o novo namorado da mãe se muda para a casa - as razões que o levam ao médico já são diferentes: começa com feridas na cabeça e no peito, atribuídas "a queda de escadas", cita o jornal Times. Dois meses depois volta ao hospital com novos ferimentos, mas desta vez alguém desconfia e alerta as autoridades, que agem rapidamente. A criança é retirada à mãe, que é presa e depois libertada sob fiança. P fica temporariamente à guarda de uma amiga da mãe mas volta a casa em Fevereiro deste ano.
As contas estão feitas: durante os oito meses de abuso P foi visto por 19 médicos e assistentes sociais em 33 ocasiões, reporta o Daily Telegraph. Dois dias antes de morrer, na sua última visita ao hospital londrino de St. Ann's, a pediatra, Sabah Al Zayyat, não terá percebido que o bebé tinha a coluna e oito costelas fracturadas. A médica, com 25 anos de experiência, foi suspensa das suas funções e está impedida de trabalhar com crianças sem supervisão, estando a ser alvo de uma investigação na instituição equivalente à Ordem dos Médicos. A clínica diz que o bebé se conseguia sentar sozinho e "não havia razão para suspeitas; estava rabugento mas parecia agir como qualquer outra criança constipada".
A autópsia revelou mais: além dos ferimentos que a médica não detectou, alguns dos dedos das mãos e dos pés do bebé não tinham unhas, havia mais de 50 ferimentos, um corte na orelha, um outro dentro da boca, e um dos dentes tinha sido engolido, descreve o jornal The Guardian. No julgamento, que terminou na semana passada, em Londres, foi explicado que a coluna tinha sido fracturada depois de ter sido atirado contra um joelho dobrado ou um corrimão, o que o terá deixado paralisado.
Depois do julgamento, o juiz, Stephen Kramer, dispensou os jurados de terem que voltar a decidir durante dez anos, dizendo-lhes: "Vocês ouviram provas de natureza chocante e viram coisas que não é suposto ninguém presenciar ao longo da vida", cita o mesmo jornal. Para não expor estes cidadãos às fotografias do corpo da criança morta, os ferimentos foram reconstituídos num boneco em computador.
O que fez mudar a vida de P dos primeiros nove meses para os últimos oito, de tortura? O namorado da mãe mudou-se para casa dela sem que a assistente social que seguia o caso tivesse sido informada. Teria sido ele, um homem de 32 anos que não sabia ler nem escrever e gostava de torturar animais, quem infligiu os maus tratos ao bebé e lhe deu a palmada na cara que havia de terminar na sua morte. Em tribunal, a mãe foi acusada de ter dado prioridade ao companheiro (e não ao filho) e de ter deixado que os abusos decorressem. Depois das detenções a polícia descobriu na casa objectos do namorado com símbolos nazis, facas com cruzes suásticas. Encontrou também corpos de pintainhos, de ratos e um coelho desmembrado espalhado pela casa. O homem tinha um cão Rottweiler domesticado e tinha ensinado o bebé a tocar com a testa no chão quando lhe estalava os dedos, tal como fazia com o animal. Em tribunal o homem, que sofreu de problemas mentais e chegou a ser tratado por alcoolismo, disse que estava a ver se "endurecia o rapaz".A mãe de P, de 27 anos, cuja identidade foi mantida anónima, tinha sido ela mesma uma criança em risco, educada por uma mãe com problemas de alcoolismo e dependência de drogas, vivendo anos num colégio interno. A polícia descreveu-a como uma pessoa que vivia num mundo à parte. O seu pai reconhece que a filha só acordava depois do almoço e passava o dia na Internet, em chat rooms. Quando o bebé morreu, às 11h30, naquele dia como noutros, estava ainda a dormir.
Depois do nascimento de P a mãe sofreu uma depressão pós-parto. Em tribunal disse que só tinha sabido que o filho tinha morrido de maus tratos, e não de doença, numa notícia que leu no teletexto. Com uma mãe vista, no mínimo, como negligente, o bebé P estava sinalizado como uma criança em risco, daí as repetidas visitas da assistente social a casa, duas vezes por semana nos últimos tempos. A mãe teve aulas de formação parental e as técnicas sociais notavam-lhe progressos. Chegaram a comprar-lhe grades protectoras para as escadas, para evitar novas quedas.
Em julgamento a mãe deu-se como culpada. O tribunal decidiu na semana passada que o namorado da mãe e um amigo deste, de 37 anos, que vivia lá em casa nas últimas seis semanas antes de P morrer, eram culpados de envolvimento na morte da criança, por terem-na causado ou deixado que acontecesse. As penas vão ser conhecidas a 15 de Dezembro, refere a BBC on-line.
Dividida entre proteger a criança e manter os laços com a família biológica, a equipa de protecção de menores em risco de Haringey, no Norte de Londres, teve divergências quanto ao caso. Uma das técnicas sociais, Sylvia Henry, afirma mesmo ter arranjado uma família de acolhimento, mas a decisão terá sido contrariada por um superior. A polícia acusou a equipa de ser "demasiado centrada nos pais", revelou documentação secreta trazida a público pela BBC já depois da morte de P.
A superintendente Caroline Bates, que trabalhou no caso, disse que se opôs ao regresso do bebé à família antes do fim da investigação mas foi-lhe dito que "a mãe estava a colaborar e que um atraso no processo podia afectar a reintegração da criança na família", cita a BBC on-line.
O secretário de Estado da Infância, Ed Balls, apressou-se a condenar a comissão por ter violado orientações governamentais de protecção da criança. Anunciou ainda um relatório independente ao progresso das reformas postas no terreno há oito anos. A ironia do caso é que na origem das últimas mudanças nesta área esteve a morte de uma criança no mesmo bairro onde morreu P. Em 2000, Victoria Climbie, de oito anos, foi torturada por familiares e acabou por morrer. A comissão de protecção de menores encarregue do caso foi a mesma de P. Em média morrem por ano no país 47 crianças em idade pré-escolar, a maioria às mãos de pais ou cuidadores.



in Público por Catarina Gomes

5 comentários:

anademar disse...

eu queria comentar... mas não me ocorre nada...

Anónimo disse...

Isto nao e somente uma negligencia medica ou consular. Eu concordo que os medicos e a equipe do conciul responsavel por baby P foram diretamentes culpadas e responsaveis pela morte de P, mas alguem saberia por favor informar a nos interessados no caso, se este bebe nao tinha familia?
Nao tinha pai, avos, era uma crianca sem esperanca, sem raizes?
Onde estava a avo do bebe P, onde estava o pai biologico desta crianca, este bebe nasceu para morrer, e para chocar o mundo, como aconteceu com Jesus Cristo, mas o mundo nao se da conta de que sinais como estes sao avisos de que o poder de Satanas e grande neste mundo, as pessoas nao se dao conta de que sao anestesiadas e nao conceguem enxergar, nao percebem que coisas absurdas, coisas horrendas e satanicas como esta que aconteceu com um ser inocente e fragil,como baby P,estao acontecendo como um sinal de alerta e ninguem se da conta, ninguem, nem mesmo aqueles que presenciam, isto e deprimente, isto e frustante, isto e revoltante e quanto a mim, me apavora saber que convivemos com monstros em nossa geracao, mas ninguem se da conta, poucos conhecem a verdade, e todos sao presos por nao conhecerem a verdade... mas os que nao conhecem a verdade e porque nao querem saber...
Eu me sinto derrotada, quando fico sabendo de uma noticia deste calao... Fico muito triste em saber que autoridades deixam acontecer a morte de uma crianca de 18 meses...

Anónimo disse...

Este bebe nao tinha familiares, ninguem que se preocupava com ele, que o amava, e se preocupava com a saude , com as condicoes dele, com que ele vivia, nas maos de uma mulher bebada e insana? Ah gente, abram os olhos, acordem, ate quando dormireis?

Anónimo disse...

Nao existem palavras que possam comentar uma insaneidade deste tipo. . .

Anónimo disse...

O mundo evolui mas produz muito lixo... A parte podre que a sociedade Britanica nao mostra ao mundo, este fato ocorrido em Londres em uma das capitais mais famosas do mundo...
Com fatos como este do bebe P acontecendo o mundo deveria se envergonhar, mas nao existem culpados numa hora desta... Obsevem se isto nao vai continuar acontecendo!!!