sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Entrevista com B Fachada


Confessa que não tem a melhor das memórias - esqueceu-se da nossa entrevista -, vive à margem da política, recusa o mainstream e diz que a única parecença entre ele e António Variações é a barba. "E o facto de muita gente querer que eu morra cedo." B Fachada fala ao i, na véspera do espectáculo no Festival Bons Sons, em Tomar (ver caixa), e pouco depois de ter editado o seu novo disco, "Há Festa na Moradia".

É verdade que não gosta de dar concertos?

Não gosto muito de tocar ao vivo nem de dar demasiados concertos. Não é bem a minha profissão, o meu trabalho é estar em casa a fazer as canções e depois gravá-las em estúdio.

Passa muito tempo em casa?

Muito mesmo. Vivo aqui há pouco tempo [no Campo Mártires da Pátria]. Mesmo à noite é raro sair. Costumo ir até ao bairro. Discotecas nem pensar, se alguém me vir numa o mais certo é estar num canto chateado com a pessoa que me levou.

Este fim-de-semana vai levar "Há Festa na Moradia" ao Festival Bons Sons. Como está a correr o novo disco?

Tenho estado a tocá-lo ao vivo. Está a correr bem, mas acabo sempre por tocar músicas dos discos anteriores e dos que estão para vir.

Tem muita coisa guardada?

Músicas guardadas não. Tenho é feito muita coisa nova para um próximo trabalho. Sou um músico pobre com ideias pobres que tem de produzir em maior quantidade para sobreviver.

Momento clichê: quantidade não é qualidade.

Claro que não. Mas falar da pop é falar em artesanato: basicamente eu vivo a fazer galos de Barcelos. Se só fizer cinco por ano o meu ordenado vai ser diferente do que se fizer vinte.

Os galos de Barcelos são todos iguais, já as músicas...

As músicas também. Para mim são... (pausa) É isso!

Vive só da música?

Actualmente sim. Mas é uma coisa recente, desde o Verão passado. Antes disso estudava na faculdade.

Chegou a acabar o curso?

Estou no último ano de Estudos Portugueses e Lusófonos, estou sempre no último ano (risos). Cheguei a andar em Física, depois é que fui para letras. Foi uma mudança simples, a Literatura é o lixo das Humanidades. Eles quase pagam às pessoas para estudarem ali.

É verdade que queria ser um académico?

Se não fosse músico, sim. A música foi algo que me caiu no colo e deixei de ter tempo para frequentar as aulas.

Nunca estudou música?

Estudei violino, piano e piano jazz. Foram os meus pais que me empurraram para isso. Nunca tive um desejo ou sonho de ser músico. Nunca foi esse o meu objectivo. Calhou esboçar umas canções, gravar uns EP e evoluir.

Vive-se bem nesta profissão?

Vivo relativamente bem. Não tenho uma vivenda na Lapa, não sou rico, não ganho dinheiro de direitos de autor, nem recebo o mesmo que os tipos do mainstream, que espremem as canções até ao tutano e fazem disso negócio. Mas é possível ser um independente profissional. A carreira foi quase um ultimato que fiz a mim próprio.

Isso foi depois da edição de "Fim-de-Semana no Pónei Dourado?

Sim, apesar de nem estar à espera que o disco fosse bem recebido. Até porque não é nada de especial, talvez seja mesmo o pior, sem contar com os que são genuinamente maus. A minha questão nunca foi produzir discos fantásticos, é produzir os discos que posso.

Isso não será falsa modéstia? Existe sempre aquela expectativa.

Eu não funciono assim. Faço um disco para eu o ouvir e tenho noção de quando me farto dele. Normalmente acontece quando as pessoas o começam a conhecer. Nessa altura, já tenho meses daquelas músicas, narcisismo absoluto. Na música sou narcisista, só faço aquilo que me apetece ouvir.

Mesmo ciente das dificuldades que uma opção dessas por implicar?

A escolha de uma carreira independente tem a ver com a forma como me separei da indústria, das editoras, da recusa em passar um mês a afinar um disco para que tudo soe prontinho para ir para o Lux. Hoje ligas a MTV e não ouves música, as canções são fracas e a produção cria uma distância tão grande entre o que é tocado e o que é ouvido que acaba por desumanizar a música. Um produto de supermercado. Depois ouves um disco normal e parece desafinado ou mal tocado porque não tem os instrumentos todos a mexer.

Ao vivo é conhecido por ser exigente com o público. Porquê?

Não sou uma puta da indústria, não tenho ninguém a dizer-me no camarim "agora vais para palco", ou "podes tirar a T-shirt à quarta música", "não te esqueças de dizer olá às meninas que estão à frente". Isso não existe, quando dou um concerto sou genuíno. Se estou de bom humor isso é transparente, mas se o público me chateia não faço nada para que isso não se note.

Já abandonou alguma vez o palco?

Sim, no princípio, quando tinha pior feitio e pior música. Nessa altura sentia que precisava de me impor. Hoje isso já não acontece.

Gosta de se ouvir cantar?

Não sou o meu cantor favorito, mas não há outro jeito de o fazer, não há cultura de intérpretes em Portugal que me permita fazer canções para outra pessoa. Sou eu que faço tudo, produzo, canto, faço as capas.

Isso também dá um certo prazer.

Muito. E liberdade também. Ao vivo, não é bem assim, é preciso alguma paciência para carregar pianos e passar três meses a ligar para as câmaras municipais para me pagarem.

Cresceu em Queluz. Também ensaiava na Igreja Evangélica, onde nasceu a FlorCaveira?

Não. Conhecemo-nos mais tarde, num concerto. Depois acabei por editar dois

discos com eles.

É religioso? Acredita em Deus?

Não penso muito nisso...

E política, segue? Sabe o nome dos ministros, por exemplo?

Menos ainda. Não sigo minimamente, e se sei o nome de algum deputado tenho muita pena. Ocupa um espaço importante numa memória fraca como a que tenho.

É verdade que faz tricot?

Já fiz algumas coisas, é verdade, um ou outro cachecol e uns gorros, mas nada de especial. Aprendi com a mãe e avó.

Isso é uma surpresa para alguém que se diz impaciente.

O tricot teve sempre uma razão prática, porque precisava.

É habitual compararem-no com António Variações. Como lida com isso?

Isso acontece por causa da barba e deste meu ar de barbeiro. E, claro, porque há muita gente que quer que eu morra cedo.


In I por André Rito, Publicado em 20 de Agosto de 2010

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