sábado, 28 de março de 2009

O Homem que sobreviveu a duas Bombas Atómicas

Houve dois ataques nucleares na história da Humanidade: em Hiroxima, a 6 de Agosto
de 1945, e três dias depois, em Nagasáqui. Em ambas as ocasiões, um engenheiro japonês estava lá quando o Inferno desceu à Terra. E sobreviveu para denunciar o horror na primeira pessoa


Tsutomu Yamaguchi é forte candidato ao prémio de ser humano mais azarado de sempre. Mas, vistas bem as coisas, até teve muita sorte. A 6 de Agosto de 1945, este engenheiro da Mitsubishi Heavy Industries estava em Hiroxima em viagem de negócios quando a primeira bomba atómica explodiu sobre o Japão. Sofreu queimaduras e ferimentos vários, mas, após uma noite num centro de abrigo, regressou a casa. Em Nagasáqui. Mesmo a tempo de ser atingido pelo segundo ataque nuclear dos EUA, na semana mais negra do Japão e da história dos conflitos mundiais.
Inacreditavelmente, Yamaguchi sobreviveu a esta segunda bomba. Em Hiroxima morreram cerca de 140 mil pessoas, Nagasáqui contou pelo menos 70 mil mortos. Os sobreviventes são chamados hibakusha (pessoa afectada pela explosão), mas este ancião de 93 anos acaba de estabelecer um novo parâmetro de classificação: ele é a primeira pessoa oficialmente reconhecida como duplo hibakusha.
Em termos pragmáticos, é só um pormenor, na verdade. Os sobreviventes dos ataques nucleares beneficiam de um subsídio mensal e ajuda estatal nos cuidados de saúde, entre outras compensações, mas para o velho Tsutomu não haverá qualquer vantagem material deste passado trágico. Afectado por um cancro, já beneficiava de apoio - e o facto de ser o primeiro duplo sobrevivente não acarreta o dobro das compensações...
Garante-lhe é uma atenção especial. "Era o meu destino vir a sobreviver a ambos os ataques para poder recordar o que se passou", disse, falando por intermédio da filha. "Não consigo conceber como é que o mundo não percebe a agonia das bombas nucleares. Como é que continua a desenvolver estas armas?"
As estatísticas oficiais contabilizam cerca de 260 mil sobreviventes dos dois ataques que precipitaram o fim da II Guerra Mundial. O Governo japonês tem sido pressionado nos últimos tempos a aligeirar o escrutínio dos candidatos a apoio estatal, porque se dizia que havia demasiado rigor na aceitação das candidaturas. Mas a incrível história de Tsutomu Yamaguchi supera todas estas questiúnculas.
Queimado, cego e surdo
Quando, às oito horas e quinze da manhã de 6 de Agosto, o bombardeiro B-29 Enola Gay da Força Aérea dos EUA, comandado pelo coronel Paul Tibbets, largou a bomba atómica sobre Hiroxima, o engenheiro da Mitsubishi estava a sair de um eléctrico, a cerca de três quilómetros da explosão. O engenho, baptizado Little Boy, deflagrou a cerca de 600 metros do solo e arrasou tudo num raio de 1,6 quilómetros. A bola de fogo provocada pela explosão estendeu-se por mais do dobro dessa distância.
Yamaguchi estava mesmo na linha de fronteira da zona crítica e foi atingido pelas chamas, que o apanharam do lado esquerdo. Perdeu todo o cabelo, ficou surdo, temporariamente cego e sofreu queimaduras no tronco. Teve a sorte de ser assistido, numa cidade onde mais de 90 por cento do pessoal médico pereceu de imediato na explosão.
Coberto de ligaduras, o engenheiro passou a noite num abrigo e, assim que pôde, tratou de regressar a casa. O Japão estava em estado de choque. O sistema de radar tinha dado o alarme, mas, tratando-se de apenas três aviões, ninguém achou que havia grande razão para preocupações.
A operação estava planeada ao milímetro: o Enola Gay transportava a bomba e as outras duas "fortalezas voadoras" serviam de apoio: uma carregava instrumentos, a outra servia de base para fazer fotografias. Era preciso documentar a "experiência", recolher dados, provas científicas do potencial destruidor da opção nuclear. O mundo tinha de perceber que a América podia obliterar do mapa uma cidade inteira.
Hiroxima tinha sido escolhida exactamente porque, por ser plana e estar rodeada de colinas que potenciariam os efeitos da explosão, a dimensão da carnificina poderia ser claramente estudada. Foi um "sucesso". Quase 70 por cento dos edifícios da cidade desapareceram na explosão. Não há risco de erro: Hiroxima fora, propositadamente, poupada aos bombardeamentos convencionais.
Inferno em Nagasáqui
Em Nagasáqui, não foi bem assim. Um pequeno ataque dias antes tinha levado as autoridades a pôr em prática um plano de evacuação da cidade, o que permitiu poupar a vida a muitas crianças. O imperador japonês, Hirohito, não reagiu de imediato ao holocausto de Hiroxima e os americanos quiseram reforçar a mensagem. O alvo era a cidade de Kokura e, a 9 de Agosto, os bombardeiros americanos voltaram a levantar voo de Tinian, no Pacífico ocidental.
Há coisas assim. Talvez alguns habitantes de Kokura tenham ficado zangados nesse dia por não ver o sol, mas os habitantes de Nagasáqui pagaram um preço desumano pelo bom tempo que os saudou nessa manhã. O ataque tinha de se realizar em boas condições de visibilidade, para poder ser documentado. A bomba Fat Boy (diz-se que numa alusão ao primeiro-ministro britânico da época, Winston Churchill) foi largada às 11h01. Sobre Nagasáqui.
Ao contrário da Little Boy, cujo núcleo era constituído por urânio 235, a Fat Boy assentava o seu potencial destruidor em 6,4 quilos de plutónio 239. Nagasáqui não era o alvo ideal, porque o seu relevo ondulado tornava mais difícil a recolha de dados sobre os efeitos da explosão. Mas, com temperaturas de 3900 graus Celsius e ventos de mais de 1000 km/h, os resultados foram igualmente aterradores num raio de 1,6 quilómetros.
Yamaguchi estava no escritório, a explicar ao chefe como sobrevivera à carnificina de Hiroxima, quando a segunda (e última, até hoje) bomba atómica da história dos conflitos humanos deflagrou a cerca de três quilómetros de distância. Morreram 70 mil pessoas nesse dia e a radiação vitimou muitas outras nas décadas seguintes. Yamaguchi sobreviveu e tornou-se num convicto activista antinuclear. As pessoas ouvem-no. Ele sabe do que fala.

"Não consigo conceber como é que o mundo não percebe a agonia das bombas nucleares. Como é que continua a desenvolver estas armas?"


in Jornal o Público

1 comentário:

paperdoll disse...

http://noticias.sapo.pt/especial/g20//noticias/2009/04/01/manifestantes_partem_vidro.html

a propósito da outra conversa :p